Para passar uma borracha no filme passado, O Incrível Hulk "finge" que o longa de 2003 é um primo distante e começa tudo de novo. Dessa vez com a direção do francês Louis Leterrier. O cara teve uma idéia muito boa: ao invés de perder a metade do tempo mostrando "como tudo começou", ele aperta o botão forward e vai passando em ritmo acelerado o processo que levou o cientista Bruce Banner (Edward Norton) a transformar-se em Hulk. Durante o filme vão sendo dadas outras pinceladas sobre o assunto.
Depois dessa introdução, a história vem parar no Brasil, especificamente no coração da favela da Rocinha (na verdade as imagens foram feitas na favela Tavares Bastos). O take aéreo sobre a favela carioca é esplendoroso, um painel de barracos ascendentes numa espécie de caos psicodélico, demais. E o morador verde mais ilustre – depois da maconha, claro – é Bruce Banner. O alter-ego de Hulk busca uma flor que seria capaz de retirar a radiação gama do seu sangue. Enquanto não encontra a tal flor, Bruce faz bico numa fábrica do Guaraná Pingo Doce (bizarro!).
E o pior é que essa história vai longe. Eu imaginei que a participação do Brasil fosse pequena, mas durou longos 20 minutos. Durante sua estada em terras tupiniquins, Bruce aprende técnicas para controlar sua raiva com o lutador de jiu-jitsu Rickson Gracie, arrisca um português vendo programas de TV meio toscos (Vila Sésamo?) e vive um affair com a morena Débora Nascimento (a madrinha de bateria da novela Duas Caras). Até um cachorro vira-lata o cara cria.
Cheguei a pensar que "Cidade de Deus" e "Tropa de Elite" tivessem feito os caras de Hollywood aprender a representar o Brasil. Sonho meu, bastou os brasileiros (na verdade atores canadenses) abrirem a boca para notar o total despreparo em relação ao português. Isso sem contar as falas sem sentido. O próprio diretor de O Incrível Hulk assumiu a gafe em entrevista à Folha Online: "Olha, eu sinto muito. Sei que os 'brasileiros' do filme não falam português direito. Já brigaram comigo por causa disso."
Fora isso, achei excelente contribuição brasileira. A passagem se encerra com uma alucinante correria entre os becos da favela no estilo "Ultimato Bourne". Muito massa os soldados americanos caindo de cima das lajes. Falando nisso, a subida do morro fez o exército yankee parecer com o pessoal do BOPE. A diferença é que em O Incrível Hulk não se vê traficantes. Evidentemente esse tipo de situação só existe em filme de ficção.
A primeira aparição do Hulk, propriamente dito, ainda ocorre no Brasil. E depois de uma salto fenomenal ele vai parar em Guatemala (na realidade é a floresta da Tijuca, Rio), segue então pro México (pra dizer a verdade Santa Teresa, também no Rio) e por fim Estados Unidos. O que o atrai pra casa é a promessa de cura feita por Samuel Sterns (Tim Blake Nelson), um cientista misterioso com quem ele vinha mantendo contato. Além, claro, da saudade de sua ex Betty Ross (Liv Tyler), a mulher que nunca deixou de amar. Porém, na volta pra casa, Hulk precisa fugir da perseguição do general Ross (William Hurt), seu sogro e grande inimigo.
A grande novidade é o aparecimento do vilão Abominável, um monstro criado sob o corpo do supersoldado Emil Blonsky (Tim Roth). A idéia é: para deter um Hulk, só outro Hulk. A fórmula funciona e o embate é bestial. Achei parecido com o duelo entre Neo e Smith no filme "Matrix Revolutions". Estranhei apenas a forma como a criatura surgiu, parece que "fazer monstros" virou linha de produção, um produto fácil de replicar. Podiam ter caprichado mais na concepção do personagem.
Existe inclusive uma especulação que o tubo de ensaio com uma substância azul, mostrada pelo cientista durante o filme, seja o ponto de partida da criação do Capitão América, filme da Marvel com lançamento previsto para 2011 (leia mais aqui). De certo que o heróis estão cada vez mais interligados. No final de O Incrível Hulk ocorre uma cena em que Tony Stark (Robert Downey Jr), o Homem-de-Ferro, propõe a criação do lendário grupo Os Vingadores ao general Ross.
Mas o que verdadeiramente deu certo em O Incrível Hulk foi o casal Edward Norton e Liv Tyler. Ele empresta uma seriedade absurda ao personagem verde, como na cena em que engole um pendrive com quem estivesse fazendo uma discurso na ONU. Ela é incrível, perfeita para o papel. Um senso de humor, uma delicadeza, sempre encarando a fera como quem fala com o irmão mais novo. Muito em função de Liv Tyler, achei o Hulk de Louis Leterrier parecido com o King Kong de Peter Jackson. Muitas cenas ficaram idênticas, como no encontro com suas divas, sendo Hulk na caverna e King Kong na montanha.
De original, foi bacana a brincadeira do uso da pizza como suborno, da crítica à direção irresponsável dos taxistas de Nova York e do alerta sobre o rastreamento de e-mails feito pelo governo dos EUA. Pequenos detalhes para fazer pensar. Ainda assim, O Incrível Hulk vai ficar marcado mesmo é pelo salto de qualidade visual em relação ao filme anterior. De presente ainda ganhamos uma participação de Stan Lee (gênio criador desse circo) e de Lou Ferrigno (o Hulk da série de TV exibida entre 1978 e 1982). Pena que eu tenha achado o final moralista demais. No stress.
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