terça-feira, 11 de novembro de 2008 às 00:02

As Crônicas de Nárnia - Príncipe Caspian: usando o debate ético-religioso como mero apêndice comercial

As Crônicas de Nárnia - Príncipe CaspianOutro dia saiu na revista Superinteressante uma curiosa entrevista com o intelectual francês Pierre Bayard. Autor do livro "Como Falar dos Livros que Não Lemos?", ele prega a não-leitura dos livros (incluindo seu próprio). Segundo ele, a grande maioria das pessoas tem vergonha de assumir publicamente não ter lido livros importantes. Achei essa observação sensacional, compartilho dessa visão de mundo. De fato é meio constrangedor alguém fazer referência a um livro importante ainda não lindo.

Um desses livros importantes que ainda não li é "As Crônicas de Nárnia", série de aventura fantástica escrita pelo irlandês C.S. Lewis. Não que sua criação contenha algum diferencial estilístico ou inovação conceitual, longe disso, sua obra é um mero arcabouço do que seu contemporâneo J.R.R. Tolkien reproduziu com maestria alguns anos depois. O que interessa na obra de Lewis é a polêmica em torno da apologia cristã. Muitos religiosos acreditam que a série é uma excelente ferramenta de evangelização, enquanto outros enxergam no texto códigos subliminares de valores pagãos.

Com o lançamento em 2005 do filme "As Crônicas de Nárnia - O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa" (leia a resenha), essa bomba santa aumentou seu poder de alcance. O filme mostrava crianças manuseando espadas, líquidos milagrosos que ressuscitavam pessoas e até um papai noel guerrilheiro. Estranho, mas nada que pudesse despertar a ira eclesiástica. Fiquei decepcionado. Sem história, sem polêmica e sem ajuda de grandes atores, o filme se tornou um programa extremamente infantil. Ganhou alguns prêmios por maquiagem e efeitos especiais, mas nada além disso.

As Crônicas de Nárnia - Príncipe Caspian      As Crônicas de Nárnia - Príncipe Caspian

Mesmo com o mediano sucesso, a Disney resolveu bancar a continuação. As Crônicas de Nárnia - Príncipe Caspian (The Chronicles of Narnia: Prince Caspian, 2008) me pareceu então uma nova oportunidade para enxergar conteúdo e qualidade na adaptação obra de Lewis. Os atores estão mais velhos, todo mundo já conhece a história, os fãs ficaram mais exigentes e o mundo está mais "sombrio". Ingredientes ideais para deixar As Crônicas de Nárnia mais próxima da realidade.

O começo do filme é bem empolgante, mostra a fuga de Caspian (Ben Barnes), herdeiro do trono de Nárnia. Ele tenta escapar das garras de seu tio Miraz (Sergio Castellitto). Com o sumiço de Caspian, o vilão é proclamado rei. Até aí a história caminhava bem, mas bastou entrar em cena os irmãos Lucy (Georgie Henley), Edmund (Skandar Keynes), Susan (Anna Popplewell) e Peter (William Moseley), para a coisa começar a desandar.

As Crônicas de Nárnia - Príncipe Caspian      As Crônicas de Nárnia - Príncipe Caspian

Eles retornam à Nárnia um ano depois da última aventura, mas no mundo mágico já se passaram mais de mil anos. Os meninos são tratados apenas como uma velha lenda, ninguém acreditava que eles existissem de fato. Caminhando pela floresta com ajuda de um anão, eles encontram Caspian, reúnem um grupo de narnianos bons de briga e partem dispostos a recuperar o trono perdido.

Nada contra castores falantes, ratos espadachins e os diversos animais mitológicos presentes em cena. Minha única reclamação é com a dupla de protagonistas juvenis: Peter e Caspian. Os meninos tentam conduzir um exército sem a menor capacidade de liderança. A disputa de poder entre eles poderia ser uma ótima vertente, mas nem isso os coitados foram capazes de representar com veracidade. Pior só o duelo final entre Peter e Miraz. Uma criança e um adulto num jogo débil e imoral (vejam só).

As Crônicas de Nárnia - Príncipe Caspian      As Crônicas de Nárnia - Príncipe Caspian

Evidentemente Príncipe Caspian tem suas qualidades. A dinâmica das batalhas evoluiu drasticamente. Gostei do confronto entre os exércitos e da invasão ao castelo de Nárnia. Também achei enriquecedora a participação da Feiticeira Branca (Tilda Swinton), seduzindo Caspian ao oferecer-lhe uma solução "fácil e rápida" para seus problemas. Fantástica a menina Lucy, sempre enxergando à frente de seus irmãos. Edmund brilhando com um senso de humor ácido e invulnerável. Até mesmo o leão Aslan (voz de Liam Neeson) dessa vez foi bem, aparecendo no momento certo da trama.

As Crônicas de Nárnia - Príncipe Caspian poderia ter sido muito mais contundente ao explorar a temática cristã. O filme deveria ter tomado partido e oferecido a cara a tapa. Todo mundo quer entretenimento, mas um pouco de polêmica nunca fez mal a ninguém. Com um pé na realidade, Nárnia ganharia novos moradores e afastaria o risco de extinção. Mas pelo desenrolar dos fatos, os narnianos terão que contentar-se com seu príncipe meia-boca. A verdade é que As Crônicas de Nárnia afugentou os adultos ao transformar o debate ético num mero apêndice comercial. Nota 2/5

Confira o trailer legendado clicando no botão play da imagem abaixo.

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