segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009 às 06:14

Frost/Nixon: lecionando jornalismo num escorregadio ringue de boxe

Frost/NixonLembro de 1993. Eu era fanático por futebol de rua. Passava a tarde jogando bola no calçamento com os amigos. Num daqueles dias, enquanto voltava pra casa, sentei na calçada pra conversar com um primo. Ele ouvia rap. Eu nunca havia escutado algo parecido. Aquele estilo, aquela sonoridade, aquela letra forte. Ele me mostrou uma fita K-7 em que estava escrito: "Matei o Presidente". A música em questão era "Tô Feliz", do Gabriel O Pensador. Nela o presidente Fernando Collor de Mello, que tinha acabado de renunciar ao cargo frente a um processo de impeachment, era assassinado.

A música foi censurada, mas não adiantou, até hoje sei decorado cada trecho da letra debochada. Depois de uns anos percebi que O Pensador não estava falando somente do Collor ou do PC Farias, ela nos mostrava através das rimas que não existe nada pior no mundo que a corrupção. Ela é a origem de todos os males. A fome, a injustiça, a desigualdade, tudo decorre da corrupção. Talvez só exista uma coisa parecida: a impunidade. Nós brasileiros sabemos disso, já estamos acostumados a vê-las saindo nas capas de revista.

Frost/NixonFrost/Nixon

A corrupção costuma abraçar as nações subdesenvolvidas, mas ninguém está livre dela. Nos Estados Unidos o exemplo mais emblemático é o Caso Watergate. Durante a campanha presidencial de 1972 foram descobertas fitas gravadas apontando que o então presidente Richard Nixon tinha conhecimento dos atos de espionagem contra a oposição. Em 9 de Agosto de 1974, Nixon renunciou à presidência. Foi substituído pelo vice Gerald Ford, que assinou uma anistia, retirando-lhe as devidas responsabilidades legais perante qualquer infração que tivesse cometido.

Baseado em fatos reais, o filme Frost/Nixon (Frost/Nixon, 2008) começa a partir desse ponto. O britânico David Frost (Michael Sheen), popular apresentador de programas de auditório, entra na briga para conseguir a primeira entrevista exclusiva com o ex-presidente Richard Nixon (Frank Langella). Após uma bela quantia em dinheiro, Nixon aceita o convite de Frost. É o início de um escorregadio embate loquaz. O material da entrevista transformou-se rapidamente numa das peças mais importantes da história política dos EUA.

Gostei da forma como o diretor Ron Howard amarrou o roteiro. Ficou parecendo os clássicos duelos de boxe entre Rocky Balboa e Apollo Creed, inclusive com direito a uma incrível reviravolta quando o juiz iniciava a contagem. Excelente material de estudo para os jornalistas. Uma aula sobre o poder da TV, da uma imagem, de um close na hora certa, a luta para conseguir uma emissora, um patrocínio, as negociações, os termos contratuais, a briga dos bastidores, o confronto entre as equipes. Sem dúvida um bom filme, por vezes chato, mas um bom filme.

Frost/NixonFrost/Nixon

Frost/Nixon nos faz pensar: tudo isso só por uma entrevista? Imagine se eles fossem fazer um filme sobre o próprio escândalo Watergate, seria uma trilogia estendida! (hehe) Pessoalmente não creio que esteja na lista dos melhores do ano. Das cinco indicações ao Oscar, o filme deve levar a de Melhor Ator, excelente atuação de Frank Langella. No lado oposto, a personagem Caroline Cushing (Rebecca Hall) parecia deslocada em cena. Tudo bem que ela é linda, mas sua importância à trama é discutível. Analogicamente funcionaria como aquelas moças que sobem ao ringue para informar o round. Só isso.

Ao final fiquei com a impressão que a maior contribuição de Nixon foi colocar o sufixo "gate" em tudo que é escândalo de corrupção. O filme reforça essa idéia de que o político que se envolve em algo como Watergate, acaba mesmo "apagando" suas realizações do inconsciente coletivo. No caso do Collor, por exemplo, ninguém lembra que ele é o responsável pela abertura do mercado nacional às importações. O que, de certa forma, nos serve de consolo. E embora não pareça, Frost/Nixon é uma bela homenagem às instituições democráticas. Basta citar a cena que Nixon diz ter envergonhado a democracia e pede desculpas aos jovens do seu país. Já pensou algo assim no Brasil? Nota 2/5

Confira o trailer legendado clicando no botão play da imagem abaixo.

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