O capitão do navio é Josef Stalin, um velho companheiro admirado por todos. Você se enche de esperança, entusiasmo, alegria, começa a imaginar um mundo perfeito, um mundo livre da exploração, do trabalho forçado, da ganância, um mundo governado por operários. Mas tão logo assume o poder, o capitão começa a eliminar inimigos, reprimir companheiros, executar intelectuais, prender militares e deportar todos que são contrários à nova filosofia stalinista.
Você não acredita no que seus olhos vêem. Como nosso Companheiro foi capaz de fazer isso?! Se não bastasse, o capitão manda expulsar Leon Trotski do barco e o joga aos tubarões. Leon Trotski, um velho amigo, fundador do Exército Vermelho, impossível!, pensa você. Os poucos marujos que restam fazem as contas e calculam que entre fuzilamentos, trabalhos forçados e deportações, o capitão chegou a vitimar 20 milhões de ex-companheiros.
Pois bem, o escritor britânico George Orwell (1903-1950) transformou essa tragédia russa numa fábula animalesca e publicou sua história no livro A Revolução dos Bichos (Animal Farm, 1945). Alçado à categoria de grande clássico político no século XX, A Revolução dos Bichos é um prelúdio ideológico da complexa obra "1984" (leia a resenha).
O livro se passa numa fazendinha britânica chamada "Granja do Solar", pertencente ao Sr.Jones. A história começa quando o velho porco chamado Major convoca uma reunião com a bicharada. No silencioso movimento do galpão da granja, os animais começam a chegar. Os primeiros foram os três cachorros, depois os porcos, as galinhas, as pombas, as ovelhas, as vacas, os cavalos, a cabra, o burro, os patinhos e demais convidados vão se acomodando.
O porco agradece a presença dos camaradas e começa um discurso convocando todos a uma revolução, um basta na dominação humana. O velho porco sonhava um mundo perfeito, um mundo livre da exploração, do trabalho forçado, da ganância, um mundo governado pelos animais [déjà vu?].
Para ele "o Homem é a única criatura que consome sem produzir. Não dá leite, não põe ovos, é fraco demais para puxar o arado, não corre o que dê para pegar uma lebre. Mesmo assim, é o senhor de todos os animais. Põe-nos a mourejar, dá-nos de volta o mínimo para evitar a inanição e fica com o restante. Nosso trabalho amanha o solo, nosso estrume o fertiliza, e, no entanto, nenhum de nós possui mais que a própria pele".
Três noites depois e o velho Major morre. Mas as palavras do porco já haviam entrado na mente de todos os animais daquela fazendinha. Ninguém sabia quando a rebelião começaria, mas todos tinham a certeza que um dia ela viria, e começaram a se preparar. A tarefa de organizar os insurgentes ficou para os porcos, segundo Orwell, o mais inteligente dos bichos. Destaque para Bola-de-Neve e Napoleão, dois jovens barrões que o Sr.Jones criava para vender.
Pouco tempo depois da morte de Major, os animais rebelam-se e expulsam os humanos da fazenda. Os porcos mudam o nome do lugar para "Granja dos Bichos" e implantaram um novo sistema de pensamento chamado "Animalismo". Era possível resumir seus princípios em sete mandamentos:
- Qualquer coisa que ande sobre duas pernas é inimiga.
- O que ande sobre quatro pernas, ou tenha asas, é amigo.
- Nenhum animal usará roupa.
- Nenhum animal dormirá em cama.
- Nenhum animal beberá álcool.
- Nenhum animal matará outro animal.
- Todos os animais são iguais.
"Camaradas, não imaginais, suponho, que nós, os porcos, fazemos isso por espírito de egoísmo e privilégio. Muitos de nós até nem gostamos de leite e de maçã. Eu, por exemplo, não gosto. Nosso único objetivo ao ingerir essas coisas é preservar a saúde. O leite e a maçã (está provado pela ciência, camaradas) contém substâncias absolutamente necessárias à saúde dos porcos. Nós, porcos, somos trabalhadores intelectuais. A organização e a direção desta granja repousam sobre nós. Dia e noite velamos pelo vosso bem-estar. É por vossa causa que bebemos aquele leite e comemos aquelas maçãs. Sabeis o que sucederia se os porcos falhassem em sua missão? Jones voltaria! Sim, Jones voltaria!"
Com esse mantra terrorista: "Jones pode voltar!", os porcos aumentam seu poder. Até que Bola-de-Neve e Napoleão, os porcos líderes, divergem sobre a construção de um moinho de vento. E num golpe, Napoleão põe os cachorros contra Bola-de-Neve e expulsa-o da fazenda. Com esse acontecimento, muita coisa começa a mudar. O porco Napoleão começa a adotar novas políticas, muda-se para a ex-casa do Sr.Jones e a passa a dormir na cama.
Bola-de-Neve vira uma espécie de entidade invisível, tudo de ruim que acontecia na granja era culpa dele, um bode expiatório para justificar os insucessos do Animalismo. Paralelamente, o porco Napoleão começa a desconfiar de todos a seu redor. Começa a eliminar seus amigos porcos, assassinar outros animais e ameaçar os contrários à sua filosofia. O porco promove um verdadeiro massacre. Põe os outros animais para efetuar trabalhos forçados e diminui a ração.
Para suprimir insatisfações, Napoleão repassa dados estatísticos que "provam" que a situação na granja melhorou. "A fazenda prospera, existe mais ração, a água é de melhor qualidade e as pulgas já não incomodam tanto". Era como se a granja se houvesse tornado rica sem que nenhum animal tivesse enriquecido. Com exceção dos porcos, evidentemente.
Indignados com tanto trabalho, os outros animais desejam saber o que tanto os porcos fazem trancados na casa do Sr.Jones. Um deles responde dizendo que "os porcos despendiam diariamente enormes esforços com coisas misteriosas chamadas 'arquivos', 'relatórios', 'minutas' e 'memos'. Eram grandes folhas de papel que precisavam ser miudamente cobertas com escritas e, logo depois, queimadas no forno".
O livro termina quando os porcos começam a andar sobre duas patas, beber litros de cerveja e jogar pôquer com os fazendeiros vizinhos. Pela janela do velho casarão, "as criaturas olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já era impossível distinguir quem era homem, quem era porco".
Droga!!! Começo a lê esses livros distópicos e minha cabeça entra em parafuso. Leio Max Weber e aprendo que o trabalho é o único caminho para o Éden. Aí leio um ensaio orwelliano como esse e descubro que sou dominado por porcos. Porcos!
Descubro que são os porcos que fazem as leis, são os porcos que nos obrigam a fazer hora-extra, é neles que se concentra a riqueza, nos tiram a educação, a cultura. Os porcos roubam nossos filhos, encurtam nossas aposentadorias, chicoteiam, racionam a comida e a água. E ainda por cima dizem que a situação está ótima. Eles nos amedrontram com fantasmas invisíveis, mudam nosso foco e limitam nossa inteligência. Que meu colesterol vá pro inferno, mas hoje teremos leitão assado no jantar!
Alguns minutos depois de saborear o livro, fiquei brincando de Orwell. Imaginei uma história dessas sobre o Brasil. Meu conto se chamaria: "A Revolução dos Bichos Marinhos". E para liderar o novo governo subaquático eu escolheria o mais inteligente dos animais marinhos.