Talvez por falta dessa consciência o "Volume 1" (leia a resenha) tenha me decepcionado. Achei a HQ visualmente convencional. A leitura complicada. A temática forte demais para os quadrinhos: guerra, política, estupro, sexo e assassinatos. Watchmen parecia um panfleto ideológico pintado nas páginas de um gibi. É mais ou menos o que os caras hoje em dia têm feito com as animações computadorizadas. Assista ao filme israelense "Valsa com Bashir", concorrente a Melhor Filme Estrangeiro no Oscar desse ano, que você irá entender. A partir do "Volume 2" (leia a resenha) comecei a entrar no jogo dos heróis aposentados. Mais do que a simples revistinha, Watchmen oferecia um requintado calhamaço histórico que muitas vezes me confundiu e outras assustou. O "Volume 3" (leia a resenha) explorou os diversos cenários em que os super-heróis seriam importantes, preparando o terreno para o desfecho da história.
Watchmen - Volume 4 tem um pouco de tudo isso, além de um excelente bônus: as cartas datilografadas de Alan Moore enviadas a Dave Gibbons. Nelas o roteirista descreve detalhadamente quadro a quadro como ele desejava que as ilustrações fossem feitas. Imagine você o sujeito usar meia página de uma folha A4 para explicar a imagem de um mísero decímetro quadrado. Multiplique isso pelo número total de quadrinhos que aparece na revista e você poderá dimensionar a loucura. Seria bem mais fácil ele aprender a desenhar, não?! (hehe) Por tudo isso, Watchmen é de Alan Moore. Ponto. Mas não podemos minimizar a importância de Dave Gibbons. No livro "Os Bastidores de Watchmen" isso fica ainda mais claro. Além do mérito de colocar no papel da imaginação fervilhante de Moore, Gibbons deu várias contribuições que alteraram os rumos da história. Entre elas a concepção do personagem Coruja e o broche amarelo com uma carinha sorridente (smiley), que acabou tornando-se um dos elementos centrais da graphic novel.
Mas vamos ao que realmente interessa. No capítulo 10 de Watchmen - Volume 4, intitulado "Dois cavaleiros se aproximando...", Coruja II e Rorschach revivem a bela parceria que tinham no passado. Os dois heróis chegam à fundo na investigação da morte dos mascarados e descobrem o responsável: Adrian Veidt, o Ozymandias. Eles então decidem ir atrás do sujeito em seu refúgio na Antártica. Bem legal a nave-coruja e os trecos "tecnológicos" do herói. Essa parte da história encerra com um pouco da poesia profética de Bob Dylan e do totalitarismo onipresente de George Orwell. Ao fim papéis avulsos das estratégias mercadológicas de Adrian Veidt para uso da marca Ozymandias. Estava previsto o lançamento de um perfume e bonequinhos dos personagens da antiga liga de heróis mascarados. Interessante esse tipo de material constar numa história em quadrinhos. Realmente impressiona o rigor perfeccionista presente até em detalhes como esse.
O capítulo 11, chamado "Comtemplai minhas realizações, ó poderosos...", é o mais importante de Watchmen. Aqui conhecemos os motivos que levaram Adrian Veidt a matar o Comediante (fato que deu início a tudo). Entramos na cabeça do assassino e comecemos sua lógica matemática. O capítulo nos oferece uma explicação completa para fechar arestas e antecipar o golpe final. O argumento é tão bem construído que há quem defenda o herói-vilão: proteger a humanidade dela mesma. Parece batido, mas poucas vezes vi essa questão realmente funcionar como em Watchmen. O capítulo encerra com uma bela entrevista de Adrian Veidt à Revista Nova Express. Oportunidade perfeita para conhecer um pouco mais das idéias do "homem mais inteligente do mundo".
O capítulo 12, último de Watchmen, intitulado "Um mundo forte e adorável" é o mais polêmico da HQ. Confesso que fiquei incomodado com o monstro assassino. Preferia algo mais prático e menos surreal. Destaque para a arte de Dave Gibbons. Excelentes desenhos para mostrar o inenarrável. A história termina de maneira bem pessimista. Ao final a conclusão é óbvia: Watchmen elevou os quadrinhos a um novo patamar. Muita gente pode até não gostar da onda de "heróis adultos", mas eles vieram pra ficar. O fato é que - de certa forma - a revista rouba a inocência dos mais novos ao colorir nossas fraquezas e explorar nossa maldade. Ela celebra a morte do herói com requintes de veracidade. Depois disso, a enjoada face amarela e sorridente nunca mais desgruda da mente.
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