Fui ao cinema para a estreia de Watchmen - O Filme (Watchmen, 2009), a polêmica aventura do visionário diretor Zack Snyder, responsável pelo épico "300" (leia a resenha). Sua missão era simples: adaptar a bíblica graphic novel de Alan Moore e Dave Gibbons. Classificada como impossível pelos executivos, recusada por diretores, acompanhada de perto pelos nerds trintões, perseguida pelos críticos e disputada pelos estúdios, Watchmen é uma bomba-relógio cinco minutos antes da destruição total.
Watchmen não é um filme fácil de vender. Tentei levar meu primo ao cinema. Ele desistiu quando soube que a história é sobre um grupo de super-heróis aposentados. Chamei minha irmã. Ela reclamou do clima sombrio e da violência explícita. De fato Watchmen não é entretenimento, pelo contrário, requer certa dedicação e entrega total. A sensação é que pegaram tudo que não presta na humanidade e resolveram colocar na tela. Ainda estou tentando convencer meus amigos a irem ao cinema, mas qual argumento uso?
O filme se passa em 1985. O mundo está perto da Terceira Guerra Mundial. Estados Unidos e União Soviética medem forças num duelo psicológico de proporções nucleares. Neste clima de tensão política, o assassinato de Edward Blake (Jeffrey Dean Morgan), o Comediante, passa despercebido pela imprensa. Ele é uma espécie de Capitão América, usa a força bruta para ajudar o governo americano nas guerras. É um dos poucos heróis que se mantiveram na ativa após a Lei Keene, que proibia as atividades de mascarados no combate ao crime.
Outro herói que continuou atuando é Rorschach (Jackie Earle Haley). Mas esse fora-da-lei. Perseguido pela polícia o mascarado inicia uma investigação solitária. Rorschach é o personagem que mais chama atenção em Watchmen. A sequencia em que ele é preso arrancou os mesmos risos histéricos que Coringa provocou em "Batman - O Cavaleiro das Trevas" (leia a resenha). Pena ter faltado tempo para detalhar o debate com o psicólogo. Rorschach é o Batman, o detetive com seu próprio código de conduta. Nele está o sentimento humano de justiça a todo custo.
Watchmen então muda o foco para Jon Osterman (Billy Crudup), o Dr. Manhattan. Ele é uma aberração azul brilhante, único com poderes sobre-humanos no filme. É como se fosse o Superman em crise existencial. Nele a história ganha contornos filosóficos e contemplativos. Por mais inteligente e poderoso que ele seja, sua melhor participação é ao lado de suas companheiras amorosas. Como viver com alguém que sabe tudo do presente, passado e futuro? Ele é o fiel da balança.
Em seguida a história explora Daniel Dreiberg (Patrick Wilson), o Coruja II. O personagem é careca, barrigudo e impotente. Talvez o mais ético dos heróis de Watchmen, quase um Dr. Fantástico. Nele repousa a sensatez. Bem legal seus cacarecos tecnológicos e a nave-coruja. Ao lado dele temos a Espectral II (Malin Akerman). Muito curioso o triângulo amoroso entre os dois e o Dr. Manhattan. A impressão é que tudo em Watchmen termina (ou começa) em sexo.
O último personagem nessa "Liga da Justiça" é Adrian Veidt (Matthew Goode), o Ozymandias. Ele é o herói que mais soube tirar proveito da fama. Conquistou bilhões em suas empresas explorando o marketing em torno de sua imagem indestrutível. É considerado o homem mais inteligente do mundo. Por isso mesmo é um sujeito excêntrico e quase robótico. Nele Watchmen nos confunde com perguntas e respostas. Os fins justificam os meios? A humanidade é autodestrutiva? Qual o preço de uma vida? Quanto vale a humanidade?
Watchmen - O Filme é perfeito. Talvez um pouco cansativo. Talvez um pouco superficial. Talvez um pouco de tudo. Talvez por isso, perfeito. Fiel aos quadrinhos, o filme me deixou impressionado pela sintonia e proximidade entre esses mundos. Inclusive aprovei a forma como a história em quadrinhos foi melhorada, como no final mais inteligente e menos criativo. Mas o que realmente agregou valor à HQ foi a trilha sonora. Tudo bem que a poesia de Bob Dylan sempre esteve presente nas páginas da HQ, mas nada como vê-lo abrir o filme ao som de "The Times They Are A-Changin". Para melhorar ainda mais, o compositor folk empresta "All Along The Watchtower" para a guitarra de Jimi Hendrix. Um banho de clássicos que nenhum outro gibizinho é capaz de oferecer.
O único ponto triste nessa história é a recusa do criador Alan Moore em assinar o longa. O barbudo é contra a realização de filmes baseados em sua obra, tendo cedido os royalties de Watchmen para o ilustrado da HQ Dave Gibbons. O cara vai ficar milionário, correto? Nem tanto. Em entrevista ao portal G1 ele disse que a família de Tolkien ainda não recebeu nada pela trilogia de "O Senhor dos Anéis". Tudo porque, no papel, o estúdio e distribuidores não tiveram lucros. Durma com essa...
Confira o trailer legendado clicando no botão play da imagem abaixo.
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