quarta-feira, 18 de julho de 2012 às 00:10

A Nova Desordem Digital: o mais poderoso método de conhecimento que a humanidade já teve acesso

Nota 3/5
A Nova Desordem Digital
Em meados de 1995 recebi em casa através de mala direta, um catálogo diferente. Ao invés de telefones, ruas ou bairros da cidade, a lista trazia uma série de URLs. Através de um computador ligado a um telefone, eu poderia navegar por inóspitas homepages espalhadas pelo mundo. Nessa época Internet era um terreno a ser desbravado. Naturalmente não haviam tantas ferramentas para exploração desse novo conhecimento. Por isso o catálogo foi útil. Através daquele modelo informativo consagrado em outras mídias, consegui enxergar um sentido na grande miscelânea.

Esse último verbete, por sinal, é o mote usado pelo escritor David Weinberger na condução do livro A Nova Desordem Digital. O dicionário Houaiss traduz miscelânea como uma "mistura de várias coisas". E nada mais confuso, bagunçado, anarquista e misturado que a World Wide Web. Apesar disso, incrivelmente essa grande rede mundial transformou nossa sociedade. O mundo agora está conectado e a informação democratizada. Mas isso só não basta. É preciso entender o que está acontecendo com o conhecimento que já temos e seu papel na teia externalizada que estamos tecendo.

Talvez Tim Berners-Lee não tivesse ideia da importância disso quando inventou essa tal Web. A premissa original era de assegurar que a grande rede fosse uma zona de livre acesso, onde "qualquer um poderia colocar nela o que quisesse, e qualquer um poderia fazer um link para qualquer coisa, tudo sem alertar um registro central, sem ter de obter aprovação e sem ninguém ter de dizer exatamente onde armazenar o novo material." Com essa presunção, a Web cresceu sem um plano, e possivelmente por isso sua evolução foi tão fenomenal.


Hoje sabemos com toda certeza que estamos diante do maior (e mais desorganizado) banco de dados do mundo. Mas nem assim deixa de ser curioso! A Nova Desordem Digital explora bem essa aparente antítese. Para tanto o autor começa nos levando para exemplos de organização no mundo off-line. Da disposição de produtos em um supermercados, às bugigangas que guardamos em casa. Para tudo encontramos instintivamente um método. Ele tenta provar que mesmo na bagunça há organização, pois sempre sabemos o lugar de cada item. Aliás, sentir-se em casa é sinônimo de "saber onde estão as coisas".

Mas o melhor exemplo é o das fotos digitais. O autor expõe um problema muito comum hoje em dia: a bagunça dos álbuns fotográficos. Com a popularização das câmeras, os computadores estão cada vez mais abarrotados de milhares de imagens. A solução -- sinalizada no livro -- seria transcender a regra mais fundamental da arrumação no mundo real: em vez de tudo ter seu lugar, é melhor que as coisas sejam designadas a vários lugares ao mesmo tempo. Como por exemplo, colocando tags nas fotos e marcando rostos.

Além desses pequenos dilemas cotidianos, A Nova Desordem Digital apresenta situações extremamente polêmicas. Em comum nessas discussões está a falta de consenso sobre o melhor método de organização e classificação. Para citar dois exemplos temos o sistema planetário e a tabela periódica de elementos químicos. Eu realmente não imaginava que ainda hoje existisse tanta confusão e reviravoltas em torno desses assuntos. Plutão é um planeta? O que torna um corpo celestre planeta? E quanto aos elementos químicos? Qual a melhor forma de disposição?

Outro assunto que me assustou foi a classificação de livros em uma biblioteca. O autor foi muito bem nas críticas ao método de Classificação Decimal de Dewey, assim como na demonstração da dificuldade em alterar esse sistema. Simples mudanças de fins ideológicos teriam um impacto profundo na vida dos bibliotecários. "Além da intoxicação com a poeira, catálogos inteiros seriam jogados fora e milhares de novas fichas teriam que ser impressas. Ao término de meses ou anos de trabalho, novas reclamações apareceriam."

A última parte do livro é dedica aos mais recentes insights de organização trazidos por sites criatiavos como Delicious, Flickr e Wikipedia. O primeiro com a popularização da navegação em tags, que segundo o autor é a melhor maneira de organizar o conteúdo na Internet. Em seguida o Flickr com sua ideia de capturar os atributos das fotos e categorizar as imagens a partir de técnicas de cruzamento de dados. E finalmente o Wikipedia, tratado pelo autor como o grande produto dessa geração. É por meio de um duelo entre a Enciclopedia Eletrônica e a tradicional Britannica, que o autor pontua a beleza da informação em bits.

Quem vence a guerra? O livro não declara, mas basta dizer que em 14/03/12 o presidente da Britannica Encyclopedia anunciou o fim da edição impressa, encerrando uma tradição de 244 anos de existência. É a prova que faltava para mostrar que a "bagunça digital" é -- na verdade -- o mais poderoso método de geração e propagação de conhecimento que a humanidade já teve acesso. Uma cadeia de infinitas possibilidades e aplicações. Embora um pouco maçante, A Nova Desordem Digital tem o mérito de apresentar essa miscelânea com didática e esmero.

Ficha técnica:

Título original: Everything is Miscellaneous: The Power of the New Digital Disorder
Título no Brasil: A Nova Desordem Digital
Editora: Campus
Autor: David Weinberger
ISBN: 9788535222111
Ano: 2007
Número de páginas: 280
Acabamento: Brochura
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