O terço, segundo ela, curou uma grave doença no pobre miserável. Com isso o objeto de madeira passou a ser tratado como um pequeno milagre. No sábado passado ela me fez uma visita, trouxe o inseparável terço. Depois de passar um bom tempo falando de suas aventuras turístico-religiosas, ela abençoou minha casa e despediu-se. Meia hora depois me liga desesperada falando que havia esquecido o bendito terço no sofá. Como no dia seguinte haveria missa, passou-me a missão de acordar cedinho e levar seu "pequeno milagre" à igreja. Terço entregue, missa realizada, fé renovada.
Com um pouco de imaginação dá para dizer que o assassino de aluguel Toorop (Vin Diesel), do filme Missão Babilônia (Babylon A.D., 2008), vive uma situação parecida. Ele é contratado pelo mercenário Gorsky (Gérard Depardieu) para escoltar a jovem refugiada Aurora (Mélanie Thierry) de um convento no Cazaquistão até Nova York. Para uma aventura tão longa, eles atravessam a Rússia de trem, enfrentam o Estreito de Bhering de submarino, dão uma paradinha no Alasca e rápido já estão no Canadá. Na viagem ele descobre que a menina é uma espécie de Virgem Maria Biológica, uma arma com poderes de prever o futuro e conhecer sobre coisas das quais nunca experimentou.
Em Nova York percebe que dois grupos disputam a garota. Então Toorop terá que decidir a quem entregar a "encomenda": aos religiosos, que prometem usá-la como instrumento para aumentar o rebanho de fiéis, ou aos cientistas, que provavelmente irão usá-la como arma biológica. A partir de sua decisão, muita coisa estranha acontece. Todos os mistérios levantados no começo do filme são respondidos de forma atabalhoada, como uma tempestade que chega inesperadamente e encerra de maneira fulminante. Um mundaréu de indagações sem uma lógica aparente.
Acho, porém, que o grande barato de Missão Babilônia é o contraste. Por exemplo: o filme inicia mostrando um futuro pós-apocalíptico devastado por guerras nucleares. Nesse caos urbano impera a lei da selva, todas as pessoas são rastreadas e vigiadas por satélite, pisoteiam-se em busca de exílio, disputam comida e espaço. No lado oposto o filme termina de maneira serena, na tranquilidade de uma casa campestre nos arredores de Nova York. Outro exemplo: o velho carro soviético que Toorop inicia sua jornada chega rebocado por um helicóptero. A cena é sensacional, o cara paradão na esquina, nem sinal de carro. De repente o carro cai do céu, bem nos seus pés. Inimaginável.
Numa outra sequência, enquanto a jovem Aurora descobre as cores e sons da vida real através dos rostos estranhos, barracas dos camelôs, imagens de Cristo sendo comercializadas e toda a dinâmica das pessoas em movimento, ela avista um tigre siberiano e questiona Toorop: "Mas eles não foram extintos em 2017". O brutamonte responde: "Aprendeu sobre vida selvagem numa enciclopédia? Aqueles eram clones da segunda geração, não eram tigres reais. Cópias de cópias. Máquinas orgânicas feitas pelo homem". Ela termina: "Mas são criaturas vivas. Feitas por Deus. Deus criou o homem à sua imagem, então o que o homem cria, também é a vontade de Deus".
Missão Babilônia está recheado dessas pequenas explosões de idéias. O próprio contraste entre o matador durão que começa o filme e o ingênuo papai que termina, é algo bem legal. Baseado no romance "Babylon Babies" do francês Maurice G. Dantec, a aventura futurista Missão Babilônia nunca perde a velocidade, aguçando a curiosidade do espectador até o fim. Pena que as respostas tenham vindo de forma tão desconexa. Ao site francês AMCTV.com, o diretor Mathieu Kassovitz culpou a Fox pelas várias remontagens. Ele disse que a versão final do filme "não passa de pura violência e estupidez, não tem nada a ver com o que havia planejado originalmente". Pelo visto o cara jogou pedra na cruz.
Confira o trailer clicando no botão play da imagem abaixo.