sábado, 11 de novembro de 2006 às 03:20

As Paixões e os Interesses - Argumentos políticos a favor do capitalismo antes do seu triunfo

As Paixões e os InteressesO aristocrata francês Charles-Louis de Secondat, o Barão de Montesquieu, em 1748 escreveu o livro "Espírito das Leis", em que dizia que para os homens, é uma felicidade encontrarem-se numa situação em que, ao mesmo tempo em que as suas paixões inspiram-lhes a idéia de serem maus, eles têm interesse em não sê-lo.

É a partir desse argumento de Montesquieu que em 1977 o alemão Albert O. Hirschman, inspirou-se para escrever o ensaio As Paixões e Os Interesses - Argumentos políticos a favor do capitalismo antes do seu triunfo (Editora Record, 2002). Em pouco mais de 150 páginas o autor defende a crença que o capitalismo desperta algumas tendências benignas do homem à custa de algumas malignas. O âmago do debate é a idéia que o interesse próprio é a única salvação para o futuro das sociedades.

Antes de tudo, o próprio Hirschman no prefácio que seu livro, nos avisa que não adota nem se opõe a nenhum conjunto de pensamento existente, segundo ele, o livro tem a qualidade especial de se desenvolver de maneira livre e independente. Veremos.

O tema proposto por As Paixões e Os Interesses é instigante, tendo levado o autor a navegar pelo pensamento social dos séculos XVII e XVIII, atrás nascimento do pensamento capitalista. Para Hirschman, esse período foi marcado pela anarquia intelectual decorrente da inexistência de fronteiras interdisciplinares acerca das teorias econômicas e políticas. Com isso, filósofos e economistas políticos da época podiam especular, sem inibições acadêmicas, sobre a expansão comercial e o crescimento industrial dos países.

A parte um do livro trata da idéia de paixões reprimidas. "No início da era cristã, Santo Agostinho forneceu diretrizes básicas para o pensamento medieval denunciando o desejo pelo dinheiro e posses como um dos três pecados principais do homem degradado, sendo o desejo pelo poder e o desejo sexual os outros dois." Para vencer essa barreira ideológica, adotou-se uma estratégica semântica. Montesquieu propôs a busca pela glória, e não com o desejo pelo dinheiro. Uma justificativa sofisticada amplamente adotada nos dias de hoje.

Outro fato histórico que fortaleceu o pensamento econômico ocorreu com a publicação do livro "A Riqueza das Nações", de Adam Smith. Antes dele, o pensamento predominante era de Bernard Mandeville, que tratava a paixão por bens materiais como um "vício particular", indo contra os "benefícios públicos". Smith amorteceu a penetração desse chocante paradoxo, substituindo "paixão" e "vício" por termos brandos como "vantagem" e "interesse".

Porém, até aqui ninguém havia explicado o lugar que o "interesse" ocupava em relação às outras duas categorias que tinham dominado a análise da motivação humana desde Platão, ou seja, as paixões de um lado, e a razão de outro. "Mas é precisamente contra os antecedentes dessa tradicional dicotomia que o surgimento de uma terceira categoria no final do século XVI e início do XVII pode ser entendido."

"Como a paixão era considerada destrutiva e a razão ineficaz, a visão de que a ação humana podia ser exaustivamente descrita por atribuição a uma ou a outra significava uma perspectiva extremamente sombria para a humanidade. Uma mensagem de esperança foi portanto transmitida pela introdução do interesse entre as duas tradicionais categorias da motivação humana. O interesse era visto na realidade participando da melhor natureza de cada um, como a paixão do amor-próprio melhorada e contida pela razão, e como razão que recebe orientação e força daquela paixão. A resultante forma híbrida de ação humana era considerada isenta tanto da destrutividade da paixão quanto da ineficácia da razão."

A parte dois do livro faz um paralelo entre a expansão econômica e a ordem política. Interessante observar aqui o funcionamento do mundo capitalista a partir dos pressupostos de Montesquieu. O filósofo defendia que "o efeito natural do comércio é o de levar à paz. Duas nações que negociam juntas tornam-se mutuamente dependentes: se uma tem um interesse em comprar, a outra tem em vender [...] todas as uniões são baseadas em necessidades mútuas."

Outro personagem que predomina nessa parte do livro é Adam Smith e suas idéias sobre as conseqüências da busca individual pela riqueza. "É dessa maneira que os interesses e paixões particulares dos indivíduos os dispõem naturalmente a voltar o seu capital na direção de aplicações que em casos comuns são as mais vantajosas para a sociedade."

Na terceira e última parte de As Paixões e Os Interesses, Hirschman nos convida a uma reflexão acerca dos episódio intelectuais debatidos até aqui. Para ele, a realidade do desenvolvimento do capitalismo destruiu a idéia que os homens em busca de seus interesses individuais seriam eternamente inofensivos.

"Como o desenvolvimento econômico nos séculos XIX e XX destruiu milhões de pessoas, empobreceu numerosos grupos ao mesmo tempo em que enriquecia alguns, causou um desemprego em larga escala durante as depressões cíclicas e produziu a moderna sociedade de massa, ficou claro para um certo número de observadores que aqueles que foram surpreendidos por essas violentas transformações ocasionalmente se tornariam passionais - passionalmente zangados, apavorados, ressentidos."

As Paixões e Os Interesses é um livro sobre as história das idéias na sociedade capitalista. Hirschman nos oferece um cardápio de interpretações sobre a ascensão do capitalismo, aventurando-se pelos pensamentos de Max Weber, Adam Smith, Karl Marx, James Steuart e diversas outras figuras iconoclastas que permeiam nossas mentes. Ao final, e afinal, tudo que se pode querer da história, e da história das idéias em particular, é não resolver problemas, mas elevar o nível do debate. Nota 4/5
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