segunda-feira, 10 de outubro de 2005 às 21:30

Freakonomics - O Lado Oculto e Inesperado de Tudo Que nos Afeta: prepare-se para ser confundido

Freakonomics - O Lado Oculto e Inesperado de Tudo Que nos AfetaEu estava alucinado para lê Freakonomics - O Lado Oculto e Inesperado de Tudo Que nos Afeta (Editora Campus, 2005). Número 1 em todas as listas nos Estados Unidos, assunto de milhares de fóruns na internet, tema de diversas reportagens e comentadíssimo nas rodas de bate-papo das mentes brilhantes de economia. O autor Steven Levitt tornou-se um popstar da noite para o dia. Em 2004 Levitt recebeu a medalha John Clark, entregue a cada dois anos ao melhor economista com menos de 40 anos de idade. Dono de um inacreditável poder de análise sobre dados, Levitt é um excepcional argumentador. Seus pensamentos giram em torno dos dados estatísticos. Ele mesmo deixa claro que não faz análise política, moral ou religiosa, é pura e simplesmente estatística.

Para quem vai lê Freakonomics, a primeira atitude deve ser abandonar qualquer paradigma, preconceito ou sabedoria convencional. Freakonomics exige uma capacidade de leitura quase que espiritual. Como num rito sagrado, o leitor deve envolver-se, ri das inesperadas análises de causa-e-efeito, brincar com a sabedoria popular e aproveitar todas as lições que o livro oferece. Não que Levitt seja um papa, ou que tudo que está ali seja verdade. Para ser sincero, ao final das 272 páginas, o que menos importa é a resposta. Perguntas são sempre mais importantes. Não foi Levitt que inventou isso, mas é disso que fala o livro.

Na capa do livro tem uma citação que resume o conteúdo brilhantemente, está escrito: "prepare-se para ser confundido". Perfeito! É isso mesmo que acontece. A Revista IstoÉ Dinheiro (edição 410) faz uma analogia ótima, "se Indiana Jones fosse um economista, ele seria Steven Levitt".

O livro é dividido em quatro capítulos. Em cada um ele trás um tema excêntrico. São ótimas histórias. Como a de um vendedor de bolinhos que todos os dias deixava uma caixa de seu produto em dezenas de empresas e no final do dia passava recolhendo o dinheiro. Depois de anos confiando apenas na honestidade das pessoas, o vendedor mensurou o índice de honestidade de seus clientes em 87%, ou seja, 13% das pessoas comiam e não pagavam. E mais, ele notou que os chefes eram os que mais comiam os bolinhos sem pagar. Outra estatística mostrou que em alguns feriados específicos, os índices de desonestidade cresciam anormalmente.

Freakonomics conta a história dos corretores de imóveis e suas táticas para vender rapidamente as casas, pois para eles não vale a pena negociar por muito tempo já que as comissões não valem o esforço. Levitt aponta o perfil dos internautas que mais fazem sucesso nas salas de romance virtual. O autor também mostra que os sagrados lutadores japoneses de sumô praticam uma corrupção velada, onde em alguns momentos deixam-se vencer em função do corporativismo. Junte a isso a corrupção de professores que fraudam as notas de seus alunos para conseguir promoções e aumentos salariais. Levitt chega ao extremo ao relacionar as características que, estatisticamente, tornam um pai perfeito. Ele avisa que "a preparação para ser um bom pai é feita antes do filho nascer, pois muito do que ele será é reflexo do próprio pai. De qualquer forma, 50% do sucesso de um filho é culpa da genética", explica Levitt.

Todos esses questionamentos são interessantes, mas o que despertou maior polêmica foi a explicação de Levitt para queda da criminalidade de Nova York na década de 90. Só para contextualizar: nos anos 80 uma onda crescente de crimes assolou os Estados Unidos. Peritos criminais faziam previsões catastróficas sobre o futuro das cidades. Os homicídios não paravam de crescer. Até que no início da década de 90, precisamente entre 1994 e 1997, os índices de homicídio de Nova York caíram 23%, mais que os dos outros estados americanos.

Até o lançamento de Freakonomics todos acreditavam na teoria que essa queda deu-se em função do aumento do número de policiais, legislação mais dura e políticas modernas de combate ao crime do prefeito Rudolf Giuliani e seu chefe de polícia William Bratton. Levitt então solta a bomba: "a queda da criminalidade nos Estados Unidos ocorreu devido a legalização do abordo ocorrida nos anos 70". Segundo o autor, os jovens que seriam os bandidos da década de 90, simplesmente não nasceram. Essa análise dos dados fez Levitt ser criticado por todos os lados. Clemente Nóbrega escreveu quatro ótimos artigos sobre esse tema, vale a pena conferir (1, 2, 3 e 4).

Passada a euforia de ter lido Freakonomics, posso replugar meu cérebro e tirar uma conclusão final. Steven Levitt é um mestre em análise de correlações. Ele esmiúça todas as hipóteses possíveis de um problema. Causa-e-efeito. Para pesquisadores essa é uma característica preciosa. O ser humano possui uma tendência natural a buscar por respostas de derivem da ação humana. Exemplo: viajar de avião causa mais medo do que viajar de carro. Mesmo sabendo-se que a chance de morrer durante um vôo é infinitamente menor que morrer em um carro. Acontece que o carro está sob o domínio nosso domínio, enquanto no vôo dependemos do piloto. Tudo que foge do nosso controle gera angústia e desconfiança.

Irrefutavelmente a liberação do aborto foi o maior responsável pela diminuição drástica da criminalidade americana na década de 90, ou seja, causa-e-efeito. Veja bem, a questão aqui não é acreditar ou não acreditar. O que está em jogo é a análise de causa-e-efeito. Levitt argumenta que "coincidentemente", todas as cidades que legalizaram o abordo na década de 70 tiveram quedas da criminalidade acima da média durante os anos 90. Fica a dúvida: até que ponto uma encurralada ética e moral pode parar o caminho das mudanças significativas? Simplificando: você legalizaria o aborto na expectativa da criminalidade cair 20 anos depois? Eu digo sim. Nota 4/5
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