terça-feira, 30 de março de 2010 às 15:30

Star Wars e a Filosofia: desvendando um gigantesco amálgama de arquétipos culturais

Nota 4/5
Star Wars e a Filosofia
Cinema é entretenimento, diversão. Eu até assisto dramas reais que retratam nosso mundo doente e sem esperança, mas em geral vou atrás das aventuras com heróis encapuzados e histórias de coragem e redenção. Star Wars proporciona isso. Cada minuto da fantástica saga de George Lucas oferece uma experiência mágica e revigorante.

Só que por baixo dessa vestimenta simples, Star Wars se revela um gigantesco amálgama de arquétipos culturais. Pelo menos foi essa a conclusão que cheguei ao fim do livro Star Wars e a Filosofia (Editora Mandras, 2005). A publicação - coordenada por William Irwin - é uma coletânea de estudos filosóficos de Jason T. Eberl e Kevin S. Decker.

São 17 trabalhos que apresentam novos significados às eternas perguntas da filosofia. Para que serve a guerra? Existe uma força poderosa controlando tudo? O amor leva ao ódio? A república é o melhor caminho? Quais os direitos dos clones, robôs e outros seres? Somos todos maus por natureza? Você pode fugir do seu destino?

Essas provocações nos instigam há séculos, mas o mérito de Star Wars foi combinar essa temática familiar com um ultra-realismo visual. Isso tornou o filme plausível, especialmente em temas subjacentes como a "tecnologia da humanização". Esse – que talvez seja o maior legado do filme – significa tratar produtos mecânicos da tecnologia como se eles tivessem vida, capacidade de pensar, sentir e gerar interações racionais e emocionais com as pessoas.

Ordem Jedi

Assim como o legado tecnológico, a política é uma pedra fundamental em Star Wars. Isso fica evidente quando Obi-Wan dá a Luke Skywalker um sabre de luz e explica que os cavaleiros Jedi "eram os guardiões da paz e da justiça na Velha República." A inspiração pra essa irmandade vem do livro "República", em que o filósofo Platão sugere que uma sociedade ideal deveria treinar um grupo de guerreiros virtuosos para preservar a paz e a justiça no bem comum.

Já o sabre de luz dos Jedi tem origem no relacionamento espiritual que os antigos samurais tinham com suas espadas. O próprio nome "Jedi" deriva dos espadachins da era samurai, chamados Jidae geki. A túnica em estilo de quimono do Jedi também se baseia nas vestimentas dos samurais, com o acréscimo de um capuz medieval para dá um toque monástico.

Existe uma historinha para justificar isso também. No Japão, uma ordem de monges guerreiros vivia em mosteiros nas montanhas. Seu considerável poder político acabou criando-lhes problemas com o governante militar dos samurais. O fato culminou na destruição do complexo monástico e na morte da maioria dos monges. Esse acontecimento é semelhante ao que ocorre aos Jedi, que quase foram dizimados em "A Vingança dos Sith".

Com todos esses predicados, uma curiosidade chama atenção: os Jedi mentem muito mais que os Sith, e mesmo assim eles são considerados os mocinhos. Obi-Wan mente para Luke no tocante ao pai dele; Yoda engana Luke quando ele chega em Dagobah; e Mace Windu esconde o fato de que os Jedi estão perdendo poder. Do outro lado, os Sith – considerados os vilões da história – contam muitas verdades.

Isso acontece porque a verdade não é simples e porque os Jedi sabem que a verdade sem compaixão pode ser brutal. Como explica Obi-Wan a Luke: "Você vai descobrir que muitas das verdades às quais nos apegamos dependem muito do nosso ponto de vista." A lição do "Jedi mentiroso" é que a verdade depende da perspectiva, intenção, entendimento intuitivo e até uma compaixão que esteja disposta a enxergar o cenário total e não apenas um único "ponto de vista".

O Lado Negro da Força

Não menos interessante é a forma como o bem e o mal são tratados. Perceba que não existe no filme o "lado bom" da Força. Na realidade, o Lado Negro é um subproduto da própria Força. Essa ideia é originária do pensamento taoísta. Nele não existe um bem absoluto nem um mal absoluto, mas o bem e o mal são condições relativas um ao outro.

Em "A Ameaça Fantasma", Qui-Gon Jinn se refere à "profecia daquele que trará o equilíbrio à Força", acreditando que o "Escolhido" é Anakin Skywalker. Isso implica mais do que a dualidade convencional do bem versus o mal. Sob o ponto de vista taoísta, não é possível ter a luz sem também ter as trevas, ou na linguagem de Star Wars, não podemos existir sem o Lado Negro sempre presente.

Yoda

O personagem mais evoluído nesse sentido é Yoda. Ele nunca se distrai com desejos frívolos fora do seu controle. Essa é uma das principais características do estóico, que gosta de equanimidade e paz de espírito. Outra virtude do mestre Jedi é o compromisso e o estilo de vida ascético, tanto em seus aposentos no templo Jedi em Coruscant como em seu casebre simples em Dagobah.

Curiosamente irônico, "yoda" é um termo sânscrito que significa "guerreiro". Logo ele, um anão verde, inofensivo, enrugado e vestindo farrapos. Yoda nada se parece com um grande guerreiro. Ele na verdade representa o sábio que não tem vícios do medo, da raiva, do ódio e da agressão. Pra ele, "guerras não fazem ninguém grande. Um Jedi usa a Força para conhecimento e defesa, nunca para ataque."

Luke Skywalker

Como parte do treinamento para se tornar um Jedi, Yoda leva Luke à uma caverna escura em Dagobah. Por mais assustadora que seja a experiência, ela dá a oportunidade a Luke se conhecer, libertar-se de sua ignorância quanto aos aspectos ocultos de sua natureza. É nessa caverna que o grande herói da trilogia original forja seu caráter ao ficar face a face consigo mesmo.

Essa cena é inspirada na famosa história da caverna de Platão. Nessa caverna, prisioneiros acorrentados acreditavam que a sombra projetada na parede era tudo que existe no mundo. Com essa alegoria, Platão quer nos mostrar que a maioria das pessoas é ignorante, não conhecendo seu verdadeiro eu e sua realidade.

Darth Vader

Do autoconhecimento à espiritualidade, temos o exemplo de Shmi, a mãe de Anakin. Em "A Ameaça Fantasma" ela diz a Qui-Gon que seu filho foi concebido sem um pai: "Ele é o Escolhido", o filho da profecia. Mais tarde Qui-Gon relata isso ao Conselho Jedi. No entanto, a mesma profecia que prevê o crescimento do Lado Negro também fala a respeito "daquele que trará o equilíbrio à Força."

A base disso vem dos estudos de religião do filósofo Hegel, com a diferença que Anakin não é um clone do Salvador cristão (como Jesus é convencionalmente entendido). Perturbando assim o paradigma cristão. Em Star Wars, o anunciado salvador torna-se o arquétipo do vilão moderno, o malévolo Darth Vader, metade máquina e metade homem, cuja respiração soa como ameaça.

Star Wars e a Filosofia

O final todo mundo conhece: a profecia se cumpre, Anakin-Vader de fato traz o equilíbrio à Força, derrota o Império e morre nos braços amorosos de seu filho Luke. Ancorado por grandes pensadores, o livro ajuda a contar essa história com a máxima compreensão que esse mosaico conceitual de Star Wars exige. Sem isso, tudo não passa de pixels. Que a Força esteja com você!

P.S.: Na realidade a frase correta seria: "Que você esteja com a Força!" Mas isso é assunto pra uma próxima oportunidade.
Comentários
3 Comentários

3 [+] :

Anônimo disse...

quase todos os grandes filmes tem base em grandes ideias de filosofos e as pessoas não conhecem essas idéias ou não as identifica.
muito interessante o artigo porque eu não sabia da linguagem 'subliminar' do star wars.

Gian Fachini disse...

Venho pensando há algum tempo já em desenvolver um trabalho científico ou até mesmo algum produto multimídia relacionado a Star Wars e sua Filosofia.
Seu post me foi muito esclarecedor, vou adquirir o livro e desenvolver minhas idéias.
Parabéns e Obrigado.

"Ancorado por grandes pensadores, o livro ajuda a contar essa história com a máxima compreensão que esse mosaico conceitual de Star Wars exige. Sem isso, tudo não passa de pixels."

Daniel Castelo-Branco disse...

Obrigado Gian. E o mais legal é que Star Wars nos surpreende a todo instante. A série The Clone Wars, por exemplo, é poesia pura.

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