A aventura tolkiniana é centrada em Lorde Eddard Stark, patriarca de uma nobre família de Winterfell, um dos Sete Reinos de Westeros. Como Guardião do Norte, a vida é pacata e sem as ostentações dos reinos sulistas. O grande problema é o frio. O inverno costuma durar décadas. Mas a vida da Casa Stark muda completamente com a visita do Rei Robert Baratheon. Eddard é convidado a assumir o cargo de Mão do Rei, principal conselheiro e comandante militar no Reino. A família então se divide e tem início um grande jogo de intrigas e conspirações.
É um grande livro. Rico em detalhes, tudo é muito bem escrito e preciso. No começo o que mais me impressionou foi a semelhança entre o texto e a série de TV. Cheguei a pensar em abandonar o volume e partir direto para o livro seguinte. Mas o autor é tão caprichoso na descrição dos cenários, que fui sendo seduzido de volta ao livro. Percebi muitos detalhes que não estão na adaptação, como a definição da estratégia de batalha, com a mãe Catelyn fazendo o filho Robb tomar uma posição firme sobre a guerra.
O trecho com o debate em tornos dos estratagemas militares é um dos mais emocionantes, especialmente na descrição da armadilha formada pelas três torres. O livro fala da Torre do Bêbado, torta como um homem empanturrado de vinho prestes a vomitar; Torre dos Filhos, assombrada pelos espíritos da floresta; e Torre do Portão, cercada por alguns metros da Grande Muralha. Ela protege os Sete Reinos da Floresta Assombrada. Só não entendi o motivo de ser tão alta. O inimigo poderia transpor com um simples túnel. Ou não?
Lógico que isso é só uma tática literária para dramatizar a história. Um forma de simbolizar o tamanho do nosso medo diante do desconhecido. Quem a protege é a ordem dos cavaleiros da Patrulha da Noite. Basicamente formada por ex-criminosos, condenados a abandonar sua antiga vida em troca da honra de defender a fronteira. Gostei da mitologia em torno desses Homens de Preto. Neles A Guerra dos Tronos viaja pelo pantanoso terreno do sobrenatural. Quebra completamente a lógica racional dos demais personagens, por isso, excelente!
O interessante é que, mesmo com os Sete Reinos em guerra, a Patrulha da Noite não participa. Outros personagens também relutam para escolher um lado na batalha. Um exemplo é o nonagenário Lorde Walter Frey, Senhor da Travessia. Quando a Senhora Catelyn Stark pede autorização para atravessar o Rio Ramo Verde, ele arrebata: "Poupe suas palavras doces, senhora. Palavras doces ouço de minha esposa. Já a viu? Tem dezesseis, uma florzinha, e o seu mel é só pra mim. [...] Sua família sempre se cagou pra mim, não negue, não minta, sabe que é verdade."
Nessas horas, não existe melhor moeda do que os filhos solteiros. Tudo se compra com casamentos arranjados. A única coisa realmente intolerável é um bastardo. Incrível o desprezo dos personagens com as escapadinhas. Acho que o autor do livro tem algum histórico familiar envolvendo filhos fora do casamento. Só isso para explicar a insistência nesse assunto. Mais estranho ainda por conta das viagens intermináveis entre os reinos. Não seria presumível que os nobres tivessem bastardos? E esses fossem minimamente respeitados? Não é isso que ocorre.
Abaixo dos bastardos, só os corvos. Os pássaros negros são centrais na história. Sempre presentes, eles levam e trazem notícias, normalmente ruins. A Guerra dos Tronos trás uma explicação para o uso de corvos ao invés de pombos, como seria mais tradicional. Segundo Meistre Aemon, da Patrulha da Noite, "os corvos voadores são mais fortes, maiores, mais ousados, muito mais inteligentes e capazes de se defender de falcões." Agregado a isso, gostei bastante do uso de eufemismos na exploração das novidades.
Outra coisa muito legal é a descrição do lema e árvore genealógica das famílias. Em forma de apêndice, o leitor pode consultar as características e eventos mais importantes de cada casta. Tudo é igualzinho ao mundo de Tolkien, incluindo mapas e explicações como se realmente os Sete Reinos tivessem existido. Mas uma coisa que senti muita falta foi o desenho de abertura dos capítulos. Acho que o autor deveria considerar incluir algumas imagens. Ponto positivo para a Editora LeYa, que produziu uma bonita capa. Só não precisava colocar o nome do autor tão grande. Isso é recurso de livro ruim.
Com todas as qualidades As Crônicas de Gelo e Fogo - A Guerra dos Tronos se impõe como o grande livro dessa geração, uma intrigante aventura épica de poder e conquista. Acredito que em 50 anos estarei diante de meus netos, revelando a magia dos Sete Reinos e orgulhoso de ter sido contemporâneo de George R. R. Martin. Ele e suas intermináveis intrigas, lobos gigantes, caminhantes brancos e uma fantástica ninhada de dragões, nos transporta a um velho mundo novo. E o melhor, o inverno está apenas começando...
Ficha técnica:
Título original: A Song of Ice and Fire: A Game of Thrones
Título no Brasil: As Crônicas de Gelo e Fogo - A Guerra dos Tronos - Volume Um
Editora: Leya
Autor: George R. R. Martin
ISBN: 9788562936524
Ano: 2010
Edição: 1
Número de páginas: 592
Acabamento: Brochura
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