segunda-feira, 4 de junho de 2012 às 18:39

As Crônicas de Gelo e Fogo - A Tormenta de Espadas: carnificina real numa guerra de coragem e covardia

Nota 5/5
As Crônicas de Gelo e Fogo - A Tormenta de Espadas
Existe um velho conto árabe chamado "As Mil e uma Noites", narrado pela jovem Xerazade. Corajosa, ela se ofereceu a casar com o rei persa Xariar, conhecido por matar todas suas esposas ao amanhacer, após tomá-las a virgindade. Porém, na noite de núpcias, Xerazade oferece a rei uma de suas histórias. Inteligente, interrompe a narrativa ao raiar do dia, provocando uma curiosidade a respeito do desfecho. Sob a bênção do rei, escapa da morte. Na noite seguinte, repete a tática. E assim suas maravilhosas histórias garantiram-lhe a vida por um longo tempo.

Sinto isso a respeito do escrito George R. R. Martin, autor da série de fantasia As Crônicas de Gelo e Fogo. Assim que terminei o livro três da saga, intitulado A Tormenta de Espadas, fiquei imaginando pra onde a história caminhará. É realmente uma incógnita. E isso é ótimo para o leitor! pois mantém o cérebro sempre esperto para absorver acontecimentos importantes e reprogramar as conjecturas. Especialmente no caso desse livro, são tantos acontecimentos importantes que se tornam obrigatórias paradas para reflexão ao longo dos capítulos.

Personagens cruciais criados e desenvolvidos, simplesmente viram filé de corvo. Não um, mas vários. Dessa forma, as páginas vão passando e novos cenários sendo construídos. Junto a isso, temos o aumento dos eventos sobrenaturais. Ao que parece, cada canto de Westeros agora tem sua própria "magia": dragões, feiticeiras, mortos-vivos, lobos-homens. Para quem tinha lido o primeiro livro e pensado que os Lannisters eram a grande ameaça, o autor nos coloca na garupa de Jon Snow, no meio do acampamento dos selvagens... Gigantes!, mamutes! e criaturas despertas de um longo sono.


A Tormenta de Espadas é um livro com protagonista: o bastardo de Winterfell. Muito interessante o conflito ético e moral que o rapaz foi submetido. Um vira-casaca adolescente assumindo o peso do mundo em suas costas. Sem reclamar. Mas há recompensas. O tórrido romance com a selvagem Ygritte elevou a faceta libertina da série a um novo patamar. O casal vive um quase kama sutra em meio à guerra dos tronos. Não sei se tudo foi uma grande tática do Rei-Pra-Lá-da-Muralha para acasalar Jon num vínculo eterno, mas foi bem legal.

Também gostei dos coadjuvantes, como Sam, tomando capítulos próprios. O gordinho altruísta conseguiu melhorar o problema de auto-estima e reluzir em alguns atos heróicos. Quem também ganhou capítulos próprios foi Jaime Lannister, um homem capaz de violar a própria irmã, matar seu rei e atirar uma criança inocente para a morte. Mesmo com tantos predicados, nesse livro o monstro fica menos monstro na companhia da feiosa donzela Brienne. Achei que iria rolar uma química, mas logo voltei à realidade dos Sete Reinos.

Uma das melhores contribuições desse livro para a saga é o desenvolvimento dos personagens. Arya, por exemplo, vai endurecendo e se tornando uma anti-heróina. Rei Robb, inteligente para conduzir exércitos à vitória e ao mesmo tempo tolo para desprezar os conselhos de seu grande lobo. Sansa, uma adolescente de 13 anos, sonhadora e alienada, mas capaz de manter a altivez para suportar um irônico e cruel destino. O cardápio é variado, mas as vezes sinto falta de um sábio, como Gandalf de "O Senhor dos Anéis".

Talvez o mais parecido com essa figura seja Lord Tywin. Não em caráter, mas em perspicácia para antecipar fatos. Achei muito enriquecedor a discussão das estratégias de guerra com o anão Tyrion. Em momentos assim fica bem claro a brutalidade dos jogadores de tronos. Não só na decaptação de cabeças, mas na formação de alianças impensáveis, transformando inimigos em familiares. Casamentos arranjados, que fantástica forma de criar aliados! O difícil aqui é sobreviver ao dia seguinte.

Quem não se interessa em matrimônio é Daenerys Targaryen, a legítima herdeira de Westeros. O melhor capítulo do livro é dela e o Exército dos Imaculados do Kraznys mo Nakloz. Já vi muito sobre a rigidez do treinamento dos guerreiros de Esparta, dos policiais do BOPE e até da Patrulha da Noite, mas nada se compara aos Imaculados. A começar que são eunucos, ou seja, castidade não é opção. Depois são submetidos a drogas que os deixam imunes à dor. Nomes, trocam todos os dias. E para provar que estão aptos, mantam bebês no seio da mãe.

A Tormenta de Espadas é uma história dura, sem lirismo. Carnificina real. Até agora o melhor capítulo da série As Crônicas de Gelo e Fogo. Especialmente a partir da página 200, o livro dá um salto de inventividade com grandes historias acontecendo em torrente. George R. R. Martin entra de vez na fantasia clássica, inundando o texto com misticismo e explorando os limites da fé de cada personagem. Como num jogo de tabuleiro, não vence o mais forte ou o mais inteligente. Nessa guerra, o Trono de Ferro cairá nas mãos daquele com coragem para espadas e covardia para penas e corvos...

Ficha técnica:

Título original: A Song of Ice and Fire: A Storm of Swords
Título no Brasil: As Crônicas de Gelo e Fogo - A Tormenta de Espadas - Volume Três
Editora: Leya
Autor: George R. R. Martin
ISBN: 9788580442625
Ano: 2011
Edição: 1
Número de páginas: 884
Acabamento: Brochura

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