O kryptoniano Kal-El, no filme O Homem de Aço, certamente concordaria com essa filosofia soliloquiada por um velho índio pomo, da Califórnia, citado por Hoebel & Frost no livro "Antropologia Culural e Social". A família é fundamento de todas as sociedades existentes. É impossível entender o funcionamento da maioria das sociedades passadas e presentes, sem compreender o parentesco. Esse pra mim é o tema central da nova adaptação para o cinema da história do Superman. A jornada de provações mentais de nosso herói exerce mais importância que o processo de aprendizagem dos superpoderes físicos.
Não é por acaso que a melhor parte do filme é o arco dramático envolvendo os dois pais, interpretados por Russell Crowe e Kevin Costner. Muito emocionante o paralelo entre o bebê nascido para ser um deus e a criança criada para esconder suas aberrações. Um menino carregando o código genético de uma civilização avançada e um rapaz tentando se alocar numa engrenagem sociofuncional. Quais desses papéis deve prevalecer? Que tipo de personalidade será formada? Qual o impacto de um super-homem nas religiões? Como fica a balança da geopolítica mundial?
São muitas perguntas abertas, mas O Homem de Aço nos apresenta um modelo de resposta: Krypton, a sociedade perfeita. Concebido a partir do livro "Admirável Mundo Novo" (1932), de Aldous Huxley, o filme apresenta o conceito da distopia clássica. Crianças são geradas a partir de laboratório, como linhas de produção fordista. Fetos alimentados com a medida certa de oxigênio e calor, pré-condicionadas a trabalhos e profissões de interesse social. O prólogo de abertura do filme é fantástico! Uma das mais emblemáticas contribuições do mundo HQ à cultura moderna.
Como narrativa, O Homem de Aço tem bons cortes de edição. Gostei do uso dos flashbacks e de todas as decisões do roteiro. Também achei muito interessante o visual realista da maquiagem. Os rostos dos personagens são reais, especialmente em close. Até a barba mal feita do Superman garantiu realismo à história. Outra ponto positivo é Lois Lane (Amy Adams). Muito corajosa e ousada, fazendo frente aos quadrinhos. Igualmente relevante foi o papel de Martha Kent (Diane Lane), balanceando bem tristeza e alegria.
Mas o que realmente diz o tamanho do herói é o vilão. Nisso General Zod (Michael Shannon) ficou devendo. Acho que ele foi bem apresentado e seus poderes fazem frente ao Superman. Mas faltou teatralidade e visceralidade na luta corpo a corpo. Eu achei que teríamos algo próximo do que foi o duelo entre Neo e Agente Smith em "Matrix Revolutions". Mas infelizmente a luta foi bem mais rápida. Faltou uma troca de golpes de pugilistas. Sem contar que o uso da TV para se "apresentar" aos terráqueos foi exagerada. Qual alienígena produziria anúncios de televisão para anunciar que destruirão a Terra?
Mas Lex Lutor vem aí. Acho que iremos melhorar nesse aspecto para o próximo filme. Tanto que o diretor Zack Snyder confirmou ontem na Comic-Con que o Batman fará uma aparição na história. Em que circunstância essa ajuda virá? Não sei. Mas a decisão de "matar ou não matar" inimigos deve ser o foco da parceria. Isso é, nem sabemos se realmente será uma parceria. Podemos ter também outro kryptoniano, já que uma das cápsulas da nave aparece aberta e não há explicação sequencial. Teremos a Supergirl? Teremos uma pouco mais de Krypton? São muitos pontos a explorar no próximo filme.
Na antropologia, uma das descobertas mais fascinantes é que a questão -- aparentemente simples -- da descendência e parentesco, pode ser percebida de maneiras tão variadas, definida de maneiras tão intricadas e com função central na ordenação da quase totalidade das culturas. O Homem de Aço, em sua genuinidade altruísta, nos mostrou isso de forma honesta e criativa. O filme trouxe contribuições para a história do personagem, demonstrando de forma clara e incontestável que Superman é filosoficamente uma das mais completas e instigantes alegorias do universo das artes.
Ficha técnica:
Título no Brasil: O Homem de Aço
Título Original: Man of Steel
Ano de Lançamento: 2013
País de Origem: Estados Unidos
Direção: Zack Snyder
Roteiro: David S. Goyer
Elenco: Henry Cavill, Russell Crowe, Amy Adams, Michael Shannon, Kevin Costner, Diane Lane, Laurence Fishburne, Antje Traue, Ayelet Zurer
Confira o trailer legendado:
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