Por mais louco que pareça, Wall-E (Wall-E, 2008), nova obra-prima da Walt Disney/Pixar, fala disso. Uma tremenda distopia! Pinceladas de um futuro imaginado por Aldous Huxley no livro "Admirável Mundo Novo" (leia a resenha). Os humanos vivem numa colônia em que tudo é controlado: os bebês são fabricados em linhas de produção, a educação das crianças é opressiva, até a roupa que vestem é padronizada. O lugar é dominado pelas máquinas, não há esforço físico ou intelectual, os humanos recebem tudo de mão beijada, não conseguem nem caminhar sem ajuda dos robôs.
Wall-E também passeia pelo clássico da ficção científica "2001 - Uma Odisséia no Espaço" (1968), do escritor Arthur C. Clarke, adaptado para o cinema por Stanley Kubrick. O filme empresta sua trilha sonora para a cena em que os humanos voltam a caminhar, desligam os robôs e tomam o controle da nave. O robô-vilão Auto (voz de Sigourney Weaver) de Wall-E é outra referência. Ele correspondência ao computador HAL 9000, personagem da odisséia espacial. Mas o que me chamou atenção foi a semelhança estética entre Wall-E e o robô Número Cinco, personagem do filme "Short Circuit - O Incrível Robô" (1986), figurinha fácil na Sessão da Tarde. Até o pôster é idêntico.
A história de Wall-E se passa no ano de 2815. A Terra está totalmente poluída, gases tóxicos impedem a existência de qualquer tipo de vida. A humanidade deixou o planeta e passou a viver na gigantesca nave espacial chamada Axiom. Não é de espantar que a nave tenha esse nome. Os antigos filósofos gregos viam um axioma como algo que pode ser considerado verdadeiro sem que fosse necessária qualquer demonstração. A nave representa exatamente isso, os humanos não precisam pensar, os robôs fazem isso por eles. Prometeram que o retiro duraria poucos anos, período em que limpariam o planeta, mas a realidade foi outra.
Séculos depois, a última dessas máquinas-gari é Wall-E (voz de Ben Burtt), um robozinho duro na queda. Resistente feito sua amiga barata, ele é bem mais que um simples pedaço de lata. Wall-E tem personalidade, variações de humor, é apaixonado por filmes românticos, música, dança. Perde horas na frente da TV assistindo ao musical "Hello, Dolly" (1969), estrelado por Barbra Streisand e Walter Matthau. E mesmo falando apenas duas palavras durante todo o filme, Wall-E consegue emocionar e divertir. As expressões corporais, principalmente através dos olhos e das mãos, transformam Wall-E numa espécie de Charles Chaplin versão enlatada.
Mesmo sozinho na imensidão do planeta, Wall-E não desiste e continua sua tarefa de triagem e compactação do lixo. Essa é umas das partes mais engraçadas do filme. Enquanto faz seu metódico trabalho, o robozinho separa alguns trecos curiosos para guardar em sua casa. Vários desses objetos nos remetem para os símbolos da década de 1980, tais como: o colorido Cubo Mágico (quebra-cabeça tridimensional), o plástico bolha (ferramenta desestressante), as fitas VHS (sistema de gravação de áudio e vídeo) e até o "Tênis para Dois" (rudimentar joguinho monocromático, considerado o primeiro vídeo-game).
A vida de Wall-E muda completamente quando uma nave desembarca na Terra trazendo uma nova e moderna robô-fêmea chamada Eva. Logo Wall-E se apaixona pela explosiva e temperamental robozinha. O processo de aproximação é de uma delicadeza ímpar, principalmente porque Eva é bem mais poderosa que nosso amigo solitário. Os contrastes são evidentes: Wall-E é desastrado, sujo e obsoleto, enquanto Eva é moderna, elegante, branca feito um iPod. Ela também é sizuda, sempre focada em sua diretriz. Ele é espirituoso, descontraído, humilde, humano.
O filme todo é sobre o processo de aproximação dessas diferenças, uma comovente e romântica animação futurista. Gostei da história, mesmo tendo achado o início bem mais interessante e divertido. A segunda metade é nervosa, rápida demais, um contraste com a imensidão calma da Terra. O final é otimista. Os humanos descobrem que mesmo a Terra sendo um lixo, ela é nosso lar. Para completar, Wall-E deixa algumas perguntas à deriva: Por que os robôs ficaram tão fascinados pelo fogo? Qual o significado da pequena plantinha vivendo numa suja bota de operário? Onde estão os outros humanos que fugiram da Terra?
Wall-E chega para engrandecer a parecia entre Walt Disney e Pixar, dona do melhor catálogo de filmes dessa nova década: "Monstros S.A." (2001), "Procurando Nemo" (2003), "Os Incríveis" (2004), "Carros" (2006) e "Ratatouille" (2007). A animação encabeça a lista de melhores do gênero, sendo disparado o grande favorito ao Oscar no próximo ano. Wall-E da Pixar está um passo à frente de "Horton e o Mundo dos Quem!" (leia a resenha) da Blue Sky e de "Kung Fu Panda" (leia a resenha) da DreamWorks.
Confira o trailer clicando no botão play da imagem abaixo.
Daniel: Como bônus o espectador tem a chance de conhecer "Presto", um curta-metragem da Pixar apresentado cinco minutos antes de Wall-E começar. Assista agora na íntegra: